sexta-feira, 25 de março de 2011

UMA BOA NOTÍCIA PARA A JUVENTUDE? - Conversa sobre “Evangelização da Juventude": “Desafios e Perspectivas Pastorais”, da CNBB - Hilário Dick

UMA BOA NOTÍCIA PARA A JUVENTUDE?

- Conversa sobre “Evangelização da Juventude":
  “Desafios e Perspectivas Pastorais”, da CNBB -

Hilário Dick.

            Na 45ª Assembléia Geral da CNBB, realizada em Itaici (SP), em maio de 2007, foi aprovado o documento “Evangelização da Juventude” .
Um documento oficial, de cor azul, votado dentro dos rigores dos documentos oficiais da Conferência. O que é esse documento? Qual o seu objetivo? Qual o seu conteúdo? Que importância tem o documento para a Igreja no seu todo? Ele tem algo a dizer para a juventude, mesmo fora do espaço eclesial? Qual o significado dele para quem trabalha na evangelização da juventude ou está interessado em dizer algo para a juventude? É sobre essas perguntas e outras que vai a presente reflexão.

1. Como se deu a gestação de “Evangelização da Juventude?”

            Em todas as Assembléias da CNBB há vários temas previstos (ou não) a serem discutidos, estudados e encaminhados, mas sempre com algum tema “central”. A CNBB, em sua história, já é autora de vários “documentos” significativos tratando de diversos assuntos, de conotação mais “interna” (liturgia, catequese, formação de presbíteros etc.) ou de conotação mais “externa” (questão da terra, questões sociais como da Amazônia, orientação política etc.). “Evangelização da Juventude” é o número 95. Os temas giram em torno de preocupações da Igreja do Brasil, no momento, aprovados por um grupo representativo (delegado) da entidade. Este grupo, em 2005, decidiu que um assunto importante para a Igreja e a sociedade, considerado como “tema central” para Assembléia de maio de 2006, deveria ser a evangelização da juventude. Aprovado, o tema é encaminhado, visando a elaboração de um “instrumento de trabalho” que sirva como ponto de partida das reflexões do tema, resultando num pronunciamento mais ou menos “solene”, mais ou menos “orientativo” (doutrinário) para a Igreja do Brasil a partir do corpo episcopal no seu todo. Ajuda nisso – como norma geral - um “grupo de trabalho” escolhido pelos responsáveis da Assembléia, atentos ao interesse do todo, e que seja capaz de “fundamentar” a reflexão sobre o assunto escolhido e seus possíveis resultados. É o que se deu, também, com o tema “evangelização da juventude”.

            Antes de maio de 2006 todos os bispos receberam o resultado deste “grupo de trabalho”, antecedido por suas normais “idas e vindas”. Este “resultado” entrou na Assembléia de 2006 com suas devidas apresentações, seguido de debates de aprofundamento, acréscimos, rejeições etc. O resultado, em cima dos debates, foi a decisão – em maio de 2006 - de que  - após ser melhorado com as emendas – voltasse para a “base” para um maior aprofundamento e que, na Assembléia de 2007, o documento refeito – com a contribuição vinda de todo o povo de Deus, especialmente da juventude e dos que trabalham com jovens – a Assembléia decidiria o que seria o “resultado” de todas as intervenções. É o que aconteceu, de fato, em maio de 2007. A decisão foi o encaminhamento para a aprovação (ou não) como sendo um pronunciamento (ou não) do corpo episcopal brasileiro. O que sucedeu é que o “documento” foi considerado “maduro” para ser lançado à Igreja do Brasil como diretriz pastoral para todo o povo de Deus.



2. Esse “documento” pode ser considerado importante?

            “Evangelização da Juventude” é significativo por várias razões: a) pela importância que vai tendo na Igreja, no Brasil e no mundo, o segmento juvenil. Fala-se da “onda juvenil”, encarada nas suas diferentes manifestações, sob o ponto de vista econômico, político, cultural, social e religioso. A tudo isso estavam atentos, também, os bispos do Brasil. O tema, por isso, enfrenta diversas preocupações; b) embora o corpo episcopal tivesse presente o aspecto citado, o que incomodava, de modo especial, eram os diferentes trabalhos que se realizam na própria Igreja, nem sempre coincidindo na sua pedagogia e na sua teologia, havendo práticas cuja convivência nem sempre era pacífica. A tudo se acrescentava, ainda, a ausência de um pronunciamento “oficial” do corpo episcopal sobre o que é, para ela, a evangelização da juventude, indo além de pronunciamentos particulares e de orientações sintéticas, possibilitando, dentro da colegialidade e da co-responsabilidade eclesial, um trabalho evangelizador orgânico como, por exemplo, na catequese para crianças e adultos.  A juventude do Brasil teve que esperar 500 anos... Ela, aliás, sempre amada pela Igreja no seu todo, na sua história concreta, teve expressões específicas e protagônicas, somente a partir da Ação Católica – especialmente a “Especializada” – a partir de 1930. O “documento”, por isso, significa, ou pode significar, um “kairós” para a juventude e, também, para a Igreja no seu todo. c) estamos frente a um documento carregado de novidade porque é raro encontrar algum documento, de qualquer instituição, que diga clara e conscientemente, como encara a construção da felicidade do jovem. A comparação que surge é com os “Institutos Nacionais de Juventude” olhando a juventude no seu todo através de iniciativas cujas fundamentações nem sempre ficam evidentes ou que dependem das leituras que se fazem do “fenômeno juvenil” com seus diversos paradigmas. Pode-se dizer, por isso, que “Evangelização da Juventude”, na perspectiva dos diversos cenários reais de Igreja, numa vivência de fé, constitui uma prova de que quem manda na Igreja é o Espírito Santo.

3. O que é esse documento?

            É um documento de 120 páginas, com 311 parágrafos enumerados, organizado – além da apresentação, da introdução, da conclusão e dos anexos - em três capítulos:  1) Elementos para o conhecimento da realidade dos jovens (ver); 2) Um olhar da fé a partir da palavra de Deus e do magistério (julgar); 3) Linhas de ação (julgar). A surpresa é o método como tal, aceito e usado.

            Para quem trabalha com jovens há mais tempo vai-se dar conta que muitas visões e propostas pedagógicas do “documento” não são novidade ou, então, pelo contrário, que exige uma guinada no trabalho que se vem fazendo. A grande novidade – sem menosprezar formas mais maduras de expressão - é o reconhecimento, pelo corpo episcopal, de maneira solene, de uma “tradição” já existente, vinda da base (jovens, lideranças e assessores/as), mas talvez um tanto esquecida, considerada superada, ignorada ou tornada puro “discurso”. A proposta, neste momento, não é uma proposta de um segmento, de uma parte, mas uma proposta para toda e qualquer iniciativa que deseja inscrever-se no anúncio da boa nova para a juventude. Neste sentido as diferentes experiências existentes de evangelização contam, de agora em diante, de uma referência comum. O documento respeita os diferentes carismas, mas pede, também, fidelidade a uma proposta concreta de igreja.

4. Qual o objetivo do documento? Ele não é interesseiro?

            Seria pequenez (ou realidade?) afirmar que o documento dos bispos do Brasil tivesse como pano de fundo uma simples vontade de “controlar” o trabalho com a juventude ou, então, de apresentar uma reflexão preocupada, prioritariamente, com a “perda” dos jovens por parte das igrejas. Lendo o documento fica claro que ele não é “interesseiro”. Pelo contrário, há afirmações, na apresentação e na introdução, que dizem outra coisa. Na conclusão do documento, aliás, os bispos dizem claramente que “reconhecendo a juventude como um lugar teológico, o nosso amor a ela é gratuito, independente do que possa nos oferecer” (nº. 248). O documento deseja, primeiramente, ser um “instrumento dinamizador  da evangelização” e uma “referência para todos que, na Igreja, têm se colocado na evangelização” da juventude, considerada um segmento importante da sociedade. Diz-se, até, que o documento é um direito dos jovens e que “a busca de unidade” encontra nele suas linhas gerais e motivações porque o valor da unidade na diversidade só pode ser um benefício para a juventude. Além disso, os bispos do Brasil, através desse documento, querem – de modo especial:
           
            a) renovar a opção afetiva e efetiva de toda a Igreja pela juventude (nº. 4);
            b) colaborar com a pluralidade de pastorais, grupos, movimentos e serviços  que existem nas diversas igrejas, visando colaborar para que os jovens sejam reconhecidos como sujeitos e protagonistas (nº. 5);
            c) abrir caminhos para que os jovens se insiram nos diferentes setores da vida social (nº6). O documento reconhece as “muitas ações positivas que acontecem no meio da juventude” e diz que a evangelização exige testemunho de vida, anúncio de Jesus Cristo, adesão a Ele, à comunidade, participação na missão da Igreja e na transformação da sociedade.

5. A descrição da realidade juvenil toca no nó da questão?

            Num documento como esse, de orientação essencialmente pastoral, não se pode esperar uma apresentação científica detalhada. O documento é decididamente “pastoral”, não outra coisa. O que se poderia esperar, talvez, fosse uma indicação bibliográfica, fundamental, sobre o assunto, mas não uma análise científica “completa”. Isso não é obrigação de um “pronunciamento” desse tipo. É evidente que ficam ausentes temas importantes, mas são raras as questões “vitais” que não apareçam, mesmo de forma ligeira. Os aspectos privilegiados pelo documento são amplos e mordentes:

            1) as transformações culturais, destacando a questão da pós-modernidade e modernidade, recordando de forma incisiva, uma frase de Paulo VI dizendo que “uma evangelização que não dialoga com os sistemas culturais é uma evangelização de verniz” (nº. 14). Dentro do campo das transformações culturais o documento destaca:

            a) a subjetividade. Não vale mais, hoje em dia, o “ideal coletivo” (nº. 17) dos anos 70-80, fazendo-se necessário encontrar o equilíbrio entre o projeto individual e o projeto coletivo (nº. 18);
            b) as novas expressões da vivência do sagrado onde a busca do religioso não significa necessariamente uma aceitação das religiões organizadas (nº. 20). A religiosidade existente na juventude facilita, por isso, em parte, trabalhar a espiritualidade em todas as suas dimensões;
            c) a centralidade das emoções, levando a um esvaziamento intelectual, à ausência do compromisso transformador e da consciência crítica, podendo conduzir ao fundamentalismo, sendo importante a atenção à formação integral.

            2) um perfil da juventude brasileira, considerando a juventude (dos 15 aos 29 anos) com suas potencialidades e sua diversidade (nº. 27). De forma um tanto sintética, o documento ressalta, nesta juventude, três realidades:

            a) o perfil sócio-econômico de um total de 47 milhões de pessoas com suas diferenciações (nº. 30) formando um dos grupos mais vulneráveis da sociedade brasileira (nº. 31) onde são citados dez problemas principais (nº. 32). A sacralização do consumo e a relativização dos valores tocam de perto a juventude. O documento fala, também, de três marcas da juventude: o medo de morrer, o medo de sobrar e o medo de ficar desconectado (nº. 34), tudo isso exigindo uma reorientação de investimentos que garantam os direitos básicos da população;
            b) a juventude como protagonista (modelo e problema) e participante. Há muita inverdade em considerar a juventude, de modo simplório, como individualista, consumista e politicamente desinteressada (nº. 36-37). Há  novas formas de participação juvenil. A juventude quer participar mas não encontra espaços adequados (nº. 38 e 39);
            c) o perfil religioso. Com a maior parte dos jovens vivendo alguma experiência religiosa, coloca-se em xeque, contudo, a herança recebida, tendo vontade de comprometer-se. O documento fala dos adolescentes em busca de espaços grupais (nº. 45), da vivência comunitária e religiosa significativa e da busca de propostas vocacionais exigentes no campo da contemplação e ação.

            3) valor da experiência acumulada da Igreja. De forma sintética, nesta parte do “ver” o documento recorda o caminho histórico percorrido pela Igreja neste segmento (especialmente no Brasil), dizendo que a Igreja Católica é uma das organizações que tem mais experiência acumulada e sistematizada no trabalho com a juventude (nº. 49). Maiores pormenores encontram-se nos anexos 3 e 4. Entre as forças pastorais o documento destaca as Pastorais de Juventude, os Movimentos Eclesiais, o Serviço Pastoral das Congregações e as Novas Comunidades.

6. O “julgar” do documento tem alguma novidade?

            A segunda parte do documento dos bispos, intitulada de “Um olhar de fé a partir da palavra de Deus e do magistério” não é o melhor que pode haver, mas carrega algumas novidades. Acentuam-se quatro eixos temáticos: o seguimento de Jesus Cristo, a Igreja comunidade dos seguidores de Jesus, a construção de uma sociedade solidária e os pronunciamentos do magistério sobre a juventude. Não é o melhor que se poderia imaginar, havendo omissões, perspectivas limitadas, mas é bom. É nessa parte que se encontra uma das grandes novidades sobre a forma de olhar a juventude. Vamos por partes:
           
            a) o seguimento de Jesus Cristo é colocado, de modo muito feliz, na perspectiva da busca juvenil de “modelos” e “referências”. Insiste-se na apresentação criativa e no testemunho de Jesus no contexto em que o jovem vive (nº. 54), em mostrar Jesus como o ponto culminante da ação de Deus na história, no círculo de discípulos/as que seguem a Jesus, no convite pessoal ao seguimento e em Maria como modelo de seguimento (nº. 56-58). O desafio para o jovem é escutar a voz de Cristo e, por isso, a importância da oração, da formação na vida de comunidade e em tornar-se portador da mensagem de Jesus considerando o jovem como evangelizador privilegiado de outros jovens (nº. 63). Para haver um encontro com Jesus é necessário caminhar com os jovens e fazer com eles a experiência de Deus. O anúncio da Boa Nova aos jovens deve ter muito presente a formação ética e o cultivo da sensibilidade dos jovens para as situações de pobreza e desigualdade social porque, como diz o documento, “o pobre é alguém que não nos deixa dormir em paz” (nº. 66). Lendo essa “Cristologia” para os jovens e lendo o que diz “Civilização do Amor – Tarefa e Esperança” podemos dizer que estamos ante um pronunciamento relativamente pobre porque a Cristologia que aparece é boa, mas é pobre porque, por exemplo, não mostra um Jesus que apresenta um estilo de vida aos jovens nem se atém ao convite que Jesus faz a eles.
           
            b) Igreja, comunidade dos discípulos de Jesus. O documento inicia falando das dificuldades dos jovens em entenderem o que seja a Igreja e da falta de acolhida aos jovens por parte da comunidade. Em vez de falar das faces da Igreja que os jovens aceitam e desejam o documento fala somente da necessidade que há de isso ser feito. Leia-se a eclesiologia que se encontra em “Civilização do Amor” para ver como a questão poderia ter sido colocada, na perspectiva juvenil, de outra forma. Claro que faltam “experiências autênticas de Igreja” (nº. 68), claro que é notória a ausência da Igreja na grande maioria (nº. 70), claro que o jovem resiste às estruturas (não só da Igreja), claro que a experiência das primeiras comunidades é um caminho importante (nº. 72), claro que é preciso desenvolver, na Igreja, mais canais de participação (nº. 76). Contudo, é na seqüência destas realidades pouco agradáveis que aparece uma das grandes novidades do documento: a afirmação de que é preciso aprender a ler, na juventude, as sementes ocultas do Verbo (nº. 80), aprendendo a ver um Deus que é real dentro do jovem no seu modo juvenil de ser, isto é, considerar o jovem como lugar teológico, considerando que Deus nos fala pelo jovem (nº. 81). Mesmo que não seja, talvez, o melhor lugar de dizer isso, essa postura constitui uma das grandes novidades do documento.
           
            c) Construção de uma Igreja solidária. Mesmo que o documento não fale da “devoção” ao Espírito Santo, neste ângulo ele insiste em que a evangelização da juventude deve ir além das relações mais próximas e precisa visar a animação e a capacitação de jovens para o exercício da cidadania, dimensão importante do discipulado (nº. 83), afirmando a formação do cristão identificado com o bom samaritano, com tudo o que isso significa. É a afirmação da dimensão social da fé.
           
            d) Pronunciamentos do magistério sobre a juventude. Embora o documento remeta essa retomada histórica para a parte dos anexos, onde aparecem os jovens sendo igreja e onde há as posturas mais significativas com relação à evangelização da juventude (Medellín, Puebla e Santo Domingo), aqui o documento fica especialmente nalgumas afirmações de João Paulo II sobre o assunto, não deixando de dizer que, assim como o jovem tem muito a aprender da Igreja, a Igreja tem muito a aprender dos jovens (nº. 87), tendo ela a obrigação de torná-los protagonistas da evangelização (nº.  92).

7. As pistas de ação são mordentes?

            O terceiro capítulo trata do “agir”. É a parte mais extensa do documento (nº. 93 a 246), isto é, 49,1% do documento, quase a metade dele. Os bispos acharam necessário apontar 8 linhas de ação. Com mais pistas concretas estão, neste caso, a espiritualidade e a pedagogia de formação, seguidos do diálogo fé e razão e o direito à vida. Menos linhas de ação mereceram “discípulos/as para a missão”, “estruturas de acompanhamento” e o ministério da assessoria. É um capítulo bonito, em geral preocupado em dar, realmente, pistas e nada mais.

8. Novidade na “formação integral”?

             Uma síntese bem feita sobre as dimensões da formação integral encontra-se na 1ª linha, dando nome às dimensões e aos processos que estão em jogo, tendo merecido um gráfico (nos anexos) sobre o assunto. Reconhece a formação integral como uma das opções pedagógicas necessárias para a evangelização da juventude. Na dimensão sócio-política o documento acrescenta, na dimensão, a ecologia. Nas pistas de ação o documento insiste que haja, periodicamente, uma avaliação se estas dimensões são trabalhadas, fala da conscientização vocacional. O documento também sugere que as dimensões sejam trabalhadas na Catequese Crismal, nas escolas, no envolvimento das famílias, na elaboração de subsídios e na educação para a prática de novas maneiras de relacionamento.

9. Como se coloca, no documento, a questão da “Espiritualidade”?

            Já vimos que a “Espiritualidade” é a pista que foi contemplada com mais “sugestões” e, ao mesmo tempo, com bastantes reflexões introdutórias falando da importância dessa pista, da vocação à santidade, da espiritualidade que precisa ser transmitida e dos instrumentos mais importantes que não podem ser esquecidos: oração pessoal, oração comunitária, participação na comunidade, leitura orante da Bíblia, vivência dos sacramentos, devoção a Nossa Senhora, diversos encontros espirituais, leituras e reflexões. Nas 13 pistas destacaríamos a referência a uma liturgia inculturada, a referência ao Ofício Divino da Juventude (nº. 132), aos cursos sobre a Bíblia e a espiritualidade mariana. No geral, sem muita novidade.

10. A “Pedagogia de formação”toca em assuntos importantes?
           
            A pista Pedagogia de formação é a pista que mais se atém aos desafios e princípios norteadores. Chama a atenção para quatro princípios: 1) para a prioridade da experiência sobre a teoria, baseado na pedagogia de Jesus. É aqui que o documento fala, pela primeira vez, do método Ver-Julgar-Agir-Revisar-Celebrar (nº. 147), não só do Ver-Julgar e Agir. Fala, também, da integração do racional com o simbólico (nº. 148), remetendo ao documento “Catequese Renovada”; 2) para a pedagogia de pequenos grupos e dos eventos massivos, exemplificando com as Jornadas Mundiais da Juventude e citando o Dia Nacional da Juventude e outras iniciativas de alguns movimentos. Os eventos massivos exigem acompanhamento (nº. 154); 3) para os cinco níveis de evolução do processo de acompanhamento dos jovens; organizar eventos para os jovens, organizar grupos de jovens, organizar os diversos grupos em rede, conscientizar os jovens sobre o projeto pastoral para a juventude e levar em conta que o crescimento na fé se dá por etapas. Nas 13 pistas de ação, além de cursos, avaliações, incentivo à leitura é de se destacar a sugestão de capacitação de assessores e coordenadores, o encaminhamento de uma Pastoral de Adolescentes e a organização de Eventos de Massa. Mais novidadeira, para quem trata desse assunto segundo as diretrizes do CELAM, é a maneira como o documento trata do níveis de evolução do processo de acompanhamento dos jovens. A terminologia é diferente, talvez não a melhor.

11. Como o documento encara a questão da missionariedade  juvenil?

            Discípulos e discípulas para a missão é a pista mais curta, falando do estímulo ao espírito missionário do jovem numa perspectiva que valoriza  a dimensão social da fé (nº. 177), a luta pela justiça e a participação na construção de uma sociedade justa e solidária e a crença num projeto coletivo. Entre as 4 pistas (poucas, mas muito significativas) a mais evidente é o fomento da “Missão Jovem” e a mais nova é a insistência na presença juvenil nos diferentes ambientes (nº. 180). O documento incentiva, com isso, para a necessidade de outra opção pedagógica relacionada ao trabalho com as diferentes juventudes.

12. E a questão do “Setor Juventude”?

            O “Setor Juventude” é tratado na pista intitulada Estruturas de acompanhamento. O documento inicia falando da importância, para a evangelização da juventude, das estruturas organizativas que apresentam dois desafios: seu fortalecimento e sua ampliação (nº. 183-186). Há, primeiramente, uma crise de estruturas causada por diversos fatores (nova cultura, ausência de assessores, pouco investimento). Contudo, a organização é que garante a eficácia dos projetos de formação (nº. 188) nos diferentes níveis. Além disso, um projeto mais amplo motiva os jovens, desenvolvendo neles habilidades de liderança (nº. 191), como fala muito bem “Civilização do Amor – tarefa e esperança”, citado duas vezes, levando o jovem a formar-se na prática. Em segundo lugar, o documento fala da necessidade de uma instância mais ampla que é chamado de “Setor Juventude” que tome em conta a mística, a metodologia, a identidade e a organização das diversas experiências de trabalho com jovens, sendo nomeadas as Pastorais de Juventude, os Movimentos Eclesiais, as Congregações Religiosas e outras organizações eclesiais, na convicção de que “o pluralismo de carismas e metodologias, vivido na unidade, fortalece a ação evangelizadora” (nº. 194), mas capazes de estabelecer algumas linhas pastorais comuns (nº. 195). Para isso, diz o documento, não existe um modelo pronto.

            Esta pista de ação é a parte mais delicada e a mais visada de todo o documento, tanto por parte dos pastores como das lideranças. “Delicada” porque está em jogo a organização, instrumento privilegiado para colaborarmos na construção do protagonismo juvenil; “visada” porque pode levar a esquecer o resto da proposta evangelizadora do documento. É estranha a não referência ao Setor Juventude que já funciona na CNBB, em nível nacional, desde a década de 70. Este não merece nenhuma atenção, parecendo que se visa, somente, a implantação do Setor nas dioceses. É a afirmação da Igreja Particular e o esquecimento da colegialidade episcopal. Nos Setores dos “Regionais” também não se fala. Não marca presença a preocupação com uma “pastoral orgânica”. Outro fato que chama a atenção é que se fala somente de “ampliação” e não da “eficácia” dessa novidade sendo esta, no fundo, a preocupação dos pastores. As cinco pistas de ação falam da organização do Setor em cada Igreja Particular (sem nenhuma orientação), na capacitação técnica de assessores, no investimento de recursos humanos e financeiros para as estruturas de formação e acompanhamento e no investimento na comunicação através da “internet”. Não se nega a problemática; o que se pergunta é se esta solução é solução ou motivo de intervenções em estruturas organizativas já existentes em nível diocesano e regional.

13. Como o documento coloca a questão da assessoria?

            A pista Ministério da assessoria é outro ponto alto do documento, especialmente pelo reconhecimento desse serviço como “ministério”. A primeira vez que se falou dessa forma da assessoria foi num encontro latino-americano de responsáveis da Pastoral da Juventude, em Zipaquirá (Colômbia), em 1995. Este ministério deve ser uma “preocupação cuidadosa” (nº. 203) por parte da Igreja. “Não há processo de educação na fé sem acompanhamento”, diz o documento (nº. 203). Mais adiante se afirma, ainda, que “a dificuldade principal para evangelizar as novas gerações é a falta de pessoas com perfil adequado para este ministério” (nº. 205). Este ministério não é só uma função, mas vocação (nº. 206). Enfim, um “capítulo” muito rico em sua densidade. As seis pistas falam de estratégias de envolvimento de assessores, no investimento na formação deles/as, na clareza e realismo na escolha dessas pessoas, na organização de equipes de assessores, na liberação deles e na formação de novos assessores/as.

14. Como o documento encara a questão dos universitários?

            Os universitários são contemplados na pista Diálogo fé e razão. O documento fala desse relacionamento pensando no ingresso dos jovens na Universidade – o que é certo, mas a questão é mais ampla. “A imagem que a Igreja projeta na sociedade é muito importante para a evangelização de uma juventude cada vez mais escolarizada”, diz o documento (nº. 220). Fala e lamenta, também, a “instrumentalização das pesquisas” (nº. 221). O que transparece, nesta pista, é uma postura um tanto apologética, isto é, de “defesa” ante os abusos da ciência (nº. 221) e do crescimento do senso crítico. Nesta linha vão, igualmente, em grande parte, as oito pistas, embora fale de modo ligeiro, de uma “universidade em pastoral”. É a pista que trai certa distância entre o “objeto” e os “instrumentos” propostos, sintoma que não há, nesse campo, experiências mordentes.

15. Como ficam, no documento, a luta dos jovens pelos seus direitos?

            A última pista de ação intitula-se Direito à vida e fala desse assunto. Face à vulnerabilidade e mortandade de jovens e à agressão à vida, em geral, vivida pelos jovens, esta pista de ação afirma, de imediato, de “uma firme atuação de todos os segmentos da Igreja no sentido de garantir o direito dos jovens à vida digna e ao pleno desenvolvimento de suas potencialidades” (nº. 230). Por isso a importância de mecanismos como as “políticas públicas” (nº. 233), a garantia de acesso aos direitos fundamentais, não pensando somente na “juventude católica” (nº. 235) e a utilização ética dos meios de comunicação (nº. 237). São densas e sugestivas as oito pistas concretas de ação relacionadas com possíveis promoções, com a formação dentro da Doutrina Social da Igreja, com debates com problemas que afetam a vida dos jovens em sua sacralidade e inviolabilidade e com o amadurecimento da família como primeiro espaço de direito à vida (nº. 246). Muito mais do que dentro de uma postura “moral”, os bispos tomam, claramente, uma postura “social” da questão da vida. Enfim, uma pista rica, mordente e abrangente.

Conclusão

            Em poucas palavras, este é o documento “Evangelização da Juventude – Desafios e Perspectivas Pastorais”. Com todos os questionamentos que podem ser feitos, para a evangelização da juventude o documento pode significar um “kairós”, isto é, um momento oportuno de – como Igreja e como sociedade – nos reencantarmos pela juventude, como dizia Dom José Mauro Pereira Bastos, de feliz memória e bispo referencial da CNBB para a evangelização da juventude, no momento em que se davam os primeiros passos para esta reflexão sobre a evangelização da juventude. Uma sociedade e uma Igreja que não ama a juventude não ama a si mesma. É urgente este reencantamento por parte de todos. O documento terá repercussão se houver amor real à juventude. Antes de olhar possíveis vazios é preciso saber ler as luzes que o documento lança. Elas são muitas. Por isso que podemos dizer que – na conjuntura social e eclesial em que ele apareceu – o documento é uma prova clara de que o Espírito Santo é que governa a Igreja. “Evangelização da Juventude” é, provavelmente, o discurso mais completo do magistério com relação a esse assunto. Passou o tempo em que se podia dizer que não há “pronunciamento” sobre a matéria. Mesmo que se imponham “aggiornamentos”, existe um ponto de partida amplo, integrado, realista e que diz palavras de felicidade para a juventude e toda a sociedade. Cabe a todos a tarefa de melhorar esta sinfonia. Um verdadeiro pluralismo no serviço do anúncio da Boa Nova em nossa pátria só será possível com o respeito às diretrizes lançadas, com alegria, pelo corpo episcopal da Igreja do Brasil.

Publicações da CNBB nº. 3

Veja-se “Catequese Renovada”, documento 26 da CNBB.

Referimo-nos às páginas 101 a 120 de “Civilização do Amor – Tarefa e Esperança”, São Paulo: Paulinas,  1997.
Idem, p. 131 a 144.

Considerando os números de parágrafos do documento o 1º capítulo (ver) corresponde a 12,8%, o julgar corresponde a 13,1%, o agir a 49,1% e os anexos a 19,2%.

 Quem acompanha as Pastorais da Juventude encontra aqui, confirmado, um discurso que vem de muitos anos. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário