sexta-feira, 25 de março de 2011

Expressões de fé : Não adianta rezar se o coração não muda - Eliomar Ribeiro



Paulo Henrique chegou cansado do trabalho. No caminho, como faz todos os dias, passou pela Igreja do seu bairro e deu um alô para Jesus no sacrário. Conversa pequena mas que virou rotina em sua vida. Nem bem chegou e toca o telefone, alguém avisa que Arthur, seu companheiro de trabalho, acabava de morrer atropelado por um caminhão. Paulo entra em parafuso: entre lágrimas e gritos pergunta a Deus o motivo de tal brutalidade, e chega mesmo a questionar a existência de Deus que permite um acontecimento assim.

Ana descobriu Deus num grupo de oração. Toda quarta-feira ela está reunida para o louvor com seu grupo. Entre cânticos e gestos, seu problema de relacionamento com a mãe e com uma irmã é amenizado. Volta pra casa e logo de cara encontra a irmã e começa uma discussão interminável por que Ana usou a saia da irmã sem lhe avisar. Ana começa a chorar desesperadamente. E pensa, agora é esperar a próxima quarta-feira para um momento de alívio. Na missa de domingo, às vezes participa.

Sebastião é um jovem da roça. Na sua comunidade há um grupo para reunir a juventude.  Ele foi convidado a participar. São 18 jovens que se reúnem após a celebração da comunidade no domingo pela manhã. Todos dali mesmo da comunidade. Um deles descobriu um subsídio legal para os encontros do grupo: há um tempo de oração, de escuta da palavra de Deus, de olhar a realidade atual buscando solução para alguma situação urgente, um tempo para partilhar os sentimentos de cada um. No final eles assumem um compromisso para a semana.

Dona Catarina é uma senhora de classe média alta. Foi bem educada na fé por sua família. Casou-se com Antenor que dizia não acreditar em Deus. Por esta razão abandonou a Igreja e só vai esporadicamente, quando é mesmo muito necessário: no batismo de um neto, num casamento, numa celebração por ocasião de morte, na missa de 7º dia. Ela mesma confessa que a última vez que pisou na Igreja foi quando o marido morreu, há 12 anos.

Alípio já está com mais de 40 anos. Foi educado em Colégio Católico. Depois passou para uma Igreja Evangélica e permaneceu nela por 6 anos até sair por não concordar com o modo como o pastor guiava seu rebanho. Entrou noutra Igreja Evangélica e ficou pouco tempo. Depois, foi convidado para fazer parte de um Centro Espírita, foi e gostou. Hoje acredita na reencarnação e tenta convencer outras pessoas das verdades do espiritismo.

Eis alguns retalhos de história que podem ajudar-nos a compreender melhor como a fé se expressa na vida. Da nossa parte deve haver uma acolhida. Da parte de Deus é dom total, presente de graça. Como a fé se expressa?

Fé é adesão pessoal


No Batismo, nossos pais e padrinhos assumem o compromisso de educar-nos na fé e na Crisma somos nós mesmos que assumimos a fé como força motivadora e transformadora de nossas vidas.
A fé significa viver a todo instante conectado com Deus: em tudo o que fazemos está o Espírito de Deus a nos guiar. São Paulo, ao falar dos três amores teologais: fé-esperança-caridade vai colocar a caridade como o que permanece justamente porque a verdadeira caridade, o bem maior, brota de uma fé esclarecida e de uma esperança que espera contra toda esperança. É preciso dar razões da nossa esperança para que o mundo não se desespere, mas continue acreditando que há luz no fim do túnel.
No nível pessoal a fé vai transformando minhas atitudes e qualificando minhas ações. Quando me deixo interpelar pelo evangelho de Jesus Cristo então assumo os gestos, as palavras, as atitudes, as qualidades dele em minha vida. Como é algo dinâmico e permanente só vamos tomando consciência de tudo isso à medida que o vivemos.

Fé é vivência comunitária


Não é bom viver sozinho neste mundo. Jesus Cristo, o Filho de Deus, gostou de ter uma família, de ir com seu pai e sua mãe à Sinagoga ouvir as Escrituras, da companhia de sua mãe nos dias de sua missão, etc. Assim, os seguidores de Jesus, desde as primeiras comunidades, só encontram o pleno sentido para a celebração e para a expressão (que eles até chamavam de profissão!) da fé, no encontro semanal da comunidade. Reunindo-se com as irmãs e os irmãos a expressão da fé assume uma outra dimensão, ela alimenta a esperança de todo um povo que seguindo a Cristo sabe que Ele é mesmo a razão de nossa vida.
Quando o povo de Deus se reúne para celebrar, ele está dando graças a Deus por sua ação na história, está renovando a fé e assumindo o compromisso de viver as implicações da fé no dia a dia de sua vida. Deus continua a caminhar com seu povo, animando-o nos momentos difíceis!

Fé é compromisso


Quando procuro me engajar no partido político, no grêmio estudantil, na associação de bairro, nas OGNs, nos movimentos sem terra, sem casa, de rua, de mulheres, de catadores de papel, etc., estou expressando exteriormente o que a fé me fez interiormente: há uma mudança de atitude que me coloca diante dos problemas deste mundo com o desejo de engajar-me para procurar amenizá-los. Lembro-me da famosa frase dos jovens no Congresso Latino-americano que aconteceu na Bolívia: “Não temos a solução para todos os problemas deste mundo, mas diante dos problemas temos as nossas mãos”. Abençoadas as mãos que ajudam a amenizar a carga do irmão, assim foi com Cirineu, Jesus e a Cruz. Hoje, mais do que nunca, somos convidados a tirar da cruz todos os que são crucificados pela ganância, pela injustiça, pelo desemprego, pela violência.
Nosso compromisso de pessoas que professam uma fé é com a vida. Não adianta muita reza se o coração não muda! Nossas celebrações, nossos louvores, nossos encontros, nossas adorações só serão plenas de sentido se vierem acompanhados do nosso engajamento com a vida ameaçada: queremos estar mesmo a serviço da vida e da esperança!


Eliomar Ribeiro, é padre jesuíta, capixaba, escritor, poeta, compositor e quando escreveu este artigo vivia em Roma onde preparava o Mestrado em Teologia com especialização em Juventude.
eliomar@jesuitas.org.br

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