sexta-feira, 25 de março de 2011

Formação de lideranças: um desafio, uma escolha

Uma sociedade em crise perde a sua referência histórica e, com ela, as perspetivas de futuro, tornando os projetos de sociedade relativos. As lideranças são construídas a partir de desejos, de modelos e de projetos concretos. Por isto se torna muito mais difícil a tarefa de formação de lideranças em uma sociedade sem referenciais.
Vivemos numa sociedade globalizada, marcada pela exclusão de muitos, entre eles os jovens e os pobres. Os programas de ajuste econômico impõem metas a serem alcançadas e, uma parcela desta sociedade já está eliminada, pela falta de moradia, educação, alimentação... Nestas condições, há pouco espaço para o desenvolvimento das potencialidades das lideranças.
Um outro fator a considerar, em época de crise, é a tendência a viver do passado. “Os jovens do meu tempo eram melhores, mais politizados e com uma maior compreensão da realidade porque liam mais”. Estas afirmações perpassam nosso discurso, impedindo nossa abertura para a novidade apontada pelos jovens.


Formar para a criatividade

Para trabalhar a formação de lideranças, hoje, é necessário considerar alguns aspectos próprios deste tempo e deste espaço.
O principal aspecto para trabalhar a liderança é o medo da escolha, da aventura, de pensar, pois desde criança são ensinados a seguir receitas. Por conseqüência, se tornam incapazes de pensar coisas diferentes. O saber já testado tem a função de poupar o trabalho, de evitar os erros e os pensamentos.
Neidson Rodrigues, em seu texto “Desafio aos Educadores”, nos chama a atenção para o perigo de formarmos pessoas com instinto de tartaruga, que diante de qualquer desafio se recolhem para nada ver, nada sentir, nada ouvir, nada ameaçar. Não têm coragem para contestar os dirigentes, para opor suas propostas e criar soluções alternativas.
Contudo, é preciso não nos esquecermos de que os sujeitos e a história modificam-se continuamente. A história nos faz e nós a fazemos. Os modelos de embates se modificam, como as relações de conflitos entre os sujeitos também se alteram.

Cultura juvenil

A formação de líderes exige que o educador compreenda a cultura juvenil. E tenha a coragem de mergulhar nesta cultura para desvelar os meandros que a constitui e, para isso, é de fundamental importância seu envolvimento com a dinâmica que mobiliza os sujeitos.
Compreender a dinâmica significa estar numa atitude de escuta profunda de seus movimentos: corpo, símbolos, linguagem..., de fala cheia de significados e de paixão pela vida na dinâmica imposta pela realidade e, de um olhar carregado de desejos capaz de mover o outro na direção do diferente, do carente.
Despertar no outro desejos de um mundo diferente e, dentro dele, a capacidade de criá-lo a partir de seus projetos.
Rubem Alves conta a história da “Toupeira que queria ver o cometa”. E ao descrevê-la diz que ela se acostumou aos túneis construídos por ela mesma. Os túneis são escuros, por isto, ela fica míope. É movida a se esconder pelo medo que sente dos outros animais.
Todos nós somos assim, possuidores de medos. O medo nos paralisa. Faz-se necessário, enfrentá-lo se quisermos conhecer o mundo do outro. O desejo da Toupeira, da história de Rubem Alves, era o de ver o Cometa, destes raros, que passam uma vez na vida da gene. Como vencer os obstáculos? A princípio, ela desistiu. Achou que a tarefa não era para ela. Voltou para casa. Dormiu e sonhou. No sonho, ela vislumbra um mundo novo. Descobre no cotidiano de sua vida o milagre do novo, do irrepetível, e se encanta. Sai, sem medo, e vai até os outros para comunicar a sua descoberta. O poder que há dentro dela e que a dotava de um poder contemplativo jamais imaginado.
Assim que acordou, saiu em busca dos outros, partilhou seus sonhos com os animais que esperavam pelo cometa. Entusiasmada, contava de sua descoberta e que esta superava a raridade do cometa. Ninguém lhe deu ouvido. Estavam perdidos em seus próprios interesses.
Diante desta história nos perguntamos: Que ingredientes a realidade exige para a formação de liderança, considerando a dinâmica da sociedade mergulhada no individualismo, na indiferença frente ao outro, no medo do novo e da criatividade?

a) Protagonismo - parte de um pressuposto de que a ação move o sujeito a projetar-se. É ele que toma decisões, escolhe, assume caminhos e planeja passos. A formação se dá na ação, possibilitando a criatividade, apresentar respostas novas, até então nunca ensaiadas.
b) Acompanhamento - toda atividade juvenil, para ser geradora de lideranças seguras e maduras, supõe um processo de acompanhamento pessoal e grupal. Os líderes que não fazem o confronto de suas atividades com uma séria revisão de vida e de prática correm o risco de se tornar ditadores, autoritários; reprodutores de um sistema, sem a menor crítica e sem oportunidade de confrontar com outros, para construir novas possibilidades de agir.
c) A formação integral - que considera todas as dimensões da pessoa. Não se pode desejar nesta formação somente um “modelo” de liderança e muito menos que ela seja capacitada em um ou outro aspecto técnico. O grande desafio é trabalhar a pessoa em todas as suas potencialidades.

Carmem Lúcia Teixeira.
Artigo publicado no mês de Setembro de 1999, página 16.

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