sexta-feira, 25 de março de 2011

O Perfume e o Samba - Eliomar Ribeiro

 
Estamos há um pouco mais de 30 anos do Concílio Vaticano II que abriu as janelas da igreja para a entrada de novas luzes, como definiu o Papa João XXIII. No que toca à liturgia estamos tentando abrir novas janelas e portas para celebrar como nos pediu os Bispos no Concílio. É preciso inculturar o modo de celebrar nossa fé. Mais do que um pedido é uma exigência para o futuro do cristianismo.
A liturgia, na definição de Romano Guardini, “são os filhos e filhas de Deus brincando diante do Pai”. Celebrar brincando... lembra um pouco nossas festas, com muita música e conversa, luzes e cores, comida e bebida, abraço e beijo, presente e gratuidade. Assim deve ser nossa celebração cristã para ser verdadeiramente participação na vida de Cristo que nos transforma em seu próprio corpo.
Hoje, há um mutirão de sonhadores... Sonham e buscam celebrar de um jeito novo, mais parecido com a nossa cara, com nosso jeito de ser. Gente do Brasil e de fora que aqui encontrou abrigo fraterno. Se é verdade que ninguém nos pode impedir de sonhar, vamos em frente, sonhando e fazendo acontecer um jeito novo de expressar e celebrar nossa adesão ao Senhor Jesus, razão da nossa vida e da nossa esperança.
 

Perfumando a Vida

As pessoas, em geral, gostam de se perfumar para as ocasiões especiais: festas, casamentos, aniversários, missas, namoros, conversas, encontro, etc. Não bastasse o nosso cheiro natural, que é tão nosso, fazemos questão de aparecermos ainda mais perfumados diante dos outros.
Fico pensando no gesto, sem igual, das mulheres que saíram de madrugada para perfumar o corpo de Jesus (cf. Marcos 16,1-2 e Lucas 24,1-2). Imagine só, perfumar um corpo morto! Podemos deduzir o que ia se passando no coração daquelas mulheres. E que surpresa, Jesus não está mais morto, vive eternamente! Aleluia! O perfume ganha novo sentido. É o Senhor ressuscitado quem perfuma o cosmos com um novo cheiro: o da ressurreição! Daí que São Paulo nos exorta a exalarmos através de nossos corpos o perfume do conhecimento de Cristo. Sermos para Deus o bom odor de Cristo, que quer a vida de todos (2Coríntios 2,15-16).
Há pessoas que usam outro tipo de perfume. As “benzedeiras”, por exemplo, servem-se das ervas cheirosas para abençoar as pessoas que vêm a elas. No quintal das suas casas não pode faltar um pé de arruda, de alecrim, de manjericão, de alfavaca, de hortelã, de funcho, etc. Ao benzer alguém, elas geralmente usam água e um raminho de erva perfumada.
A liturgia cristã também se serve do perfume para dar maior dignidade e solenidade à celebração. O incenso une as pessoas no “bom odor” do Cristo ressuscitado. Em outras religiões, com mais freqüência, usam-se incensos perfumados, de vários sabores. Já é comum, em muitas comunidades, durante a oração do ofício divino, acender algum incenso para perfumar o ambiente e oferecer nossos cheiros ao Senhor.
A vigília pascal é, por assim dizer, o tempo propício para lançarmos mão do perfume. Há muito que se vem insistindo para que esta celebração seja verdadeiramente a “mãe de todas as celebrações”. Usar o incenso, as ervas cheirosas, a água perfumada é um meio de levar toda a assembléia celebrante a se envolver no mistério do Senhor ressuscitado.
Vou narrar duas experiências vivenciadas a partir da necessidade de encontrar elementos novos que melhor ajudem as pessoas a celebrarem a fé cristã, na noite da Vigília Pascal.
Durante o período em que morei em Teresina-PI, na comunidade de Santa Teresinha, periferia da cidade, juntamente com a equipe de celebração, fomos preparando com esmero as celebrações litúrgicas. Para a páscoa, pediu-se que as mulheres trouxessem ervas perfumadas para preparar o local da celebração da Vigília. No final da tarde de sábado, Dona Conceição entra na igreja com uma bacia repleta de vários tipos de ervas cheirosas que havia acabado de colher na horta comunitária, de onde ela tira o sustento de seus filhos. Era o retrato das mulheres do Evangelho levando bálsamos e perfumes para ungir o corpo do Senhor. A festa foi muito bonita e perfumada! Foi um respirar dos jardins para espalhar seus perfumes para o Amado (Cântico dos Cânticos 4,16).
 

Do Perfume à Palavra cantada

Há muito que se vem buscando cantar as verdades da nossa fé com melodias e ritmos que expressem melhor o nosso modo próprio de ser. Por muito tempo fiquei matutando um jeito diferente e novo para cantar a ressurreição de Jesus. Algo que tivesse não só palavras bonitas mas que também tivesse uma melodia, um ritmo capaz de expressar a experiência pessoal e comunitária que as comunidades cristãs vêm fazendo da páscoa.
Observei por muito tempo a alegria das músicas, das danças, das expressões que aparecem a cada ano durante o carnaval. Bahia e Pernambuco inovam sempre! E os sambas-enredo das escolas de samba, então!? Vi que é possível cantar a vida nova do Senhor num ritmo que caracteriza tão bem a alegria de nossa maior festa popular. Sendo a páscoa a explosão de alegria pela vida nova de Jesus, nada melhor do que cantar e dançar em ritmo de samba este acontecimento. Nasceu assim o “Samba da Ressurreição”, na tentativa de unir o mistério que celebramos com o ritmo alegre interrompido nos dias da quaresma, de um lado, e, de outro, retomar o ritmo da nossa vida, que deve ser sempre uma festa, agora envolvida pela certeza da presença carinhosa do Senhor ressuscitado.
Era preciso partilhar minha experiência com outras pessoas. Propus à equipe de celebração para incluir o Samba após a proclamação da páscoa, o “Exultet”. Com tocadores e cantores ensaiamos muitas vezes, procurando destacar os instrumentos musicais próprios do ritmo. Na noite da Vigília, antes da celebração, ensaiamos com a assembléia. Era possível notar que as pessoas ao cantar gingavam o corpo timidamente. No momento oportuno, convidou-se a todos para que dançasse! Como havíamos previsto, não houve quem não “caísse no samba”. Com a claridade das luzes e do círio pascal, o perfume das plantas e da água, a comunhão dos corpos dos irmãos e irmãs, todos entoavam seu louvor com a boca e com a dança para Jesus Cristo ressuscitado. A assembléia fez a experiência da alegria que o Ressuscitado vem trazendo consigo.
Terminada a celebração, uma senhora, já com seus 60 anos, toda sorridente, veio me confidenciar: - Meu filho, hoje esta celebração me fez recordar de quando eu tinha quinze anos de idade!, e abraçou-me toda contente. Percebi, naquele instante, que o milagre de Cristo ressuscitado acontecia: já estamos forjando celebrações em que se celebra verdadeiramente a nossa vida na vida de Cristo.
 

Encantar toda a Vida

Oxalá consigamos, com nossa experiência pastoral-litúrgico-musical, com nossos cantos e perfumes, penetrar no mistério insondável do coração de Deus para celebramos com maior liberdade e expressão a nossa vida. Hoje muito se canta em nossas celebrações! É necessário ir descobrindo a função do canto não mais como enfeite ou como válvula de participação da assembléia, mas como sinal do mistério celebrado. E junto com o canto, a dança litúrgica vai encontrando também seu espaço!
É preciso cantar bem! Cantar a Deus, de todo coração! (Colossenses 3,16b). Preparar os tocadores e cantores. Ensaiar com a assembléia no início de qualquer celebração. Criar um clima orante, cantante e agradável que leve as pessoas ao encontro com Deus e com os outros. Quem canta já reza duas vezes, como nos recorda santo Agostinho. É tempo novo de abandonar a solidão para fazer festa, sem morte e sem miséria, para dançar nas avenidas e na presença do Senhor. Tempo novo de encantar toda a vida com nosso canto e nosso gingado! Que o Senhor nos ilumine e cante e dance conosco!
 
Eliomar Ribeiro, é padre jesuíta, capixaba, escritor, poeta, compositor e quando escreveu este artigo vivia em Roma onde preparava o Mestrado em Teologia com especialização em Juventude.

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